pai filho


Hoje eu estou triste porque eu descobri que meu pai faleceu há sete dias. Eu não faço idéia do como seu pai é, mas eu sempre tive um certo orgulho por ele ter escolhido ser morador de rua.
Talvez porque isso não é como ser engenheiro ou advogado (profissões clichês que todo pai teria orgulho de ter um filho formado) mas eu nunca vi isso como uma falha de caráter (como o resto da família).
Ninguém imagina o quanto é duro dormir na rua, viver sua vida regrada ao que os outros te dão ou mesmo ter que ser recolhido a abrigos.
Meus tios sempre internaram meu pai em clínicas de recuperação de todo tipo, mas ele sempre voltava para sua vida de catar papelão e rir com os outros que estavam ali com ele. Assim foi o seu final. Triste para mim é saber dessa condição e imaginar que no fim eu não poderia me despedir e dar-lhe um enterro. Ele morreu e foi enterrado como indigente... E isso é o que tem me incomodado, neste momento, neste texto escrito que está me servindo para entender que sentimento é esse. Eu tenho saudades de uma coisa que eu não tive, de um companheiro que nunca esteve lá para responder minhas perguntas cretinas, para me ensinar a usar uma lamina, porque crescia pelos no meu testículo ou porque eu ficava excitado ao olhar uma mulher. Sinto falta de ter sido levado para escola, de ter alguém para dar um pente de plástico e uma gravata de papel nos dias dos pais, de ter alguém para me levar a represa para pegar um peixinho safado e por não ter tido nada que qualquer pai pode oferecer para um filho.
Gostaria de que tudo fosse diferente. Mas ai eu também seria diferente, talvez eu não fosse o homem que eu me tornei, tudo talvez por não ter tido nada disso ai descrito acima.
Ainda sim, sinto.
O mais engraçado é que estamos na Páscoa... e coincidentemente meu pai some e reaparece sete dias depois. E tem outras detalhes religiosos percebidos por mim que não vem ao caso, porque isso é meu!
O mais difícil é vencer a burocracia, já que nunca tive qualquer documento dele... e é uma droga ir atrás de papelada. E no fim, nos resumimos a um pedaço de papel, com data, hora e motivo de sua morte: o óbito.
O que mais importa também, talvez o mais importante é que eu fui fruto de um momento verdadeiro, de um momento de prazer assim como minhas irmãs também. E eu cresci, hoje sou um homem (quase) formado e tenho miolos. O resto vai se ajeitando...